segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A geração 2.0 do Ser Tão Teatro


(Isadora Feitosa e Thardelly Lima, únicos remanescentes do elenco da primeira montagem)

Escrevi, quando da apresentação em João Pessoa de A Flor de Macambira, adaptação da peça de Joaquim Cardozo, que com aquele espetáculo  o grupo Ser Tão Teatro alcançava sua maioridade.
               
Agora, quando a companhia retoma A Farsa da Boa Preguiça, de Ariano Suassuna, levava às ruas com atores do grupo Clowns de Shakespeare, e direção compartilhada de Christina Streva e Fernando Yamamoto, é possível dizer que o Ser Tão dá um passo à frente.

Dos 9 personagens, apenas 2 atores foram mantidos da primeira montagem, Thardelly Lima e Isadora Feitosa. E visível, porém, o quanto os dois evoluíram.

Agora, além de exercitar uma generosidade para com os demais colegas de cena, entendendo bem melhor as pausas, para que os outros atores também brilhem, Thardelly, que vem se consolidando como um dos grandes atores cômicos da Paraíba, soube encontrar o tom do seu personagem, Joaquim Simão.

É que, dois anos atrás, quando estreou, havia pouco tempo Thardelly interpretara um personagem muito parecido, outro poeta, o Ferreirinha, de uma outra Farsa, a do Poder, escrita por Racine Santos, e, por esta razão, meio que não houve muita mudança na construção do seu personagem àquele momento.

Agora, após ter atuado, brilhantemente, se desdobrando em vários personagens em  Flor, encontrando para cada um deles,  timbre, postura, e vida, Thardelly redesenha o seu Joaquim Simão e exerce, junto com Isadora, o papel de quem passa o bastão pro elenco novo.

Elenco novo, nem tanto. Dos 7 que entraram, praticamente, todos já estavam orbitando em torno deste verdadeiro acontecimento que tem sido o Ser Tão Teatro na cena paraibana nos últimos 5 anos.

Zé Guilherme, que está mais à vontade da segunda metade do espetáculo, mais livre das rubricas e construção de Marco França, que interpretava o personagem na versão anterior, já era do elenco de Flor.

É o mesmo caso de Winsthon Aquilles, integrante do casting do espetáculo passado, no papel do Arcanjo Miguel, o mais livre a criar pequenas partituras, trazer novos adereços, o que deu um bom sopro de renovação. 

Pollyanna Barros fazendo a Nevinha, embora esteja no ritmo dos seus colegas, aposta na fragilidade e na ingenuidade para construir a esposa do poeta Simão, a meu ver, porém, falta à personagem um senso mais pragmático – algo como o que Sancho Pancha representa no universo de delírio e sonho de Dom Quixote. Melhor dizendo: Nevinha é a parte feijão, enquanto que Simão é a parte sonho;  a personagem ganharia mais se mantivesse, sim, o que tem de ingênuo, o que possui de inocente, já demonstrados por Pollyanna, se levasse em conta que está interpretando uma mulher com um monte de filhos pra criar e que é responsável por dar de comer a eles, sendo ela casada com um poeta que não é muito afeito ao trabalho.

Anna Raquel Apolinário, no papel de Andressa, e da Cã Cachorra, está muito à vontade, quase totalmente assenhorada de seu personagem, não plenamente ainda porque em alguns momentos, são bem poucos é verdade, se valha de referências da atriz que fez o mesmo papel antes, o que não lhe favorece em nada.

Com Rafael Guedes ocorre o mesmo que se dá com o elenco novo: entrou no ritmo, assimilou a energia da cena. É possível dizer a ele o mesmo que escrevi sobre Pollyana, a de que falta ao seu São Pedro, o mesmo senso terra-a-terra, pragmático – não é à toa que este santo protege Joaquim Simão e família, porque é, justamente, o correlato divino dos dois lados da contenta, dos pobres, com os ricos. Na Bíblia, São Pedro é evocado como alguém com dificuldades de crer, Jesus o admoestou chamando-o de “homem de pouca fé”, quando Pedro não teve crença suficiente para andar sobre as águas como Jesus. Além do fato de ser pescador, não ser letrado como São Paulo, enfim, ser um santo do povo, inculto, às vezes meio rude, mas o escolhido por Deus para guardar as portas do céu e sobre quem se edificou sua Igreja – de alguma maneira, estas informações, estas referências, assimiladas, em alguns detalhes na composição do personagem, lhe dariam mais força.

Gladson Galego, a quem acompanho desde os tempos de oficina, antes da formação do grupo, e posso atestar seu visível crescimento artístico, que já havia apresentado um bom desempenho em Flor, agora volta ao palco, no palco de Deus, espécie de narrador e símbolo de uma dramaturgia, podemos dizer, fechada, clássica, como a de Suassuna é, muito à vontade e com um ótimo desempenho vocal, qualidade técnica que o ator deixava a desejar.

Por fim, Isadora Feitosa. Que ela foi o grande acontecimento de Flor, isso fico notório. Escrevi à época, lembro bem, que lhe faltava uma maior intimidade, no momento em que a encenação pedia que ela interagisse com o público, estabelecesse uma triangulação. Agora, quando os atores entraram em cena, Isadora usou a favor de si o que tem de mais poderoso: o seu olhar e soube, com charme e carisma, cativar o público.

Termino apontando a boa escalação de Herlon Rocha, que soube encaixar-se numa produção cuja direção musical tinha uma presença muito marcante, e boa, e encontrou o seu lugar, discretamente.

Sobre a Farsa da Boa Preguiça, como um todo, o que posso dizer é que o espetáculo chega bem. Ainda um pouco preso às atuações dos atores antigos, o que, sem fazer qualquer concessão, é compreensível, mas já apontado para o que será, com esse novo elenco, o Ser Tão 2.0. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012



FNT/ Guaramiranga 
(fotos Sol Coelho)

Rafael Barbosa, o açougeiro lírico



Rafael Barbosa, encenador de seu próprio texto, está no palco. No pedestal, um microfone e uma lâmpada. A peça se chama Ô Putaria, e a razão deste título será explicada dentro em breve.  Vestindo terno e gravata, mesmo figurino que o de Edglê Lima, com quem divide a cena, começa, ele dramaturgo, mas já no palco como ator, a discorrer sobre o espetáculo. Há, no canto esquerdo, uma privada, um  cavalete amarelo com o aviso de que o chão está molhado. A ação se dá em cima do palco do Rachel de Queiroz, em Guaramiranga. A porta que dá para o fundo, onde entra o material do cenário, está escancarada, próximo de quem está  pendurado em um gancho um pato, de verdade, abatido.

Embora o texto seja autorreferencial, de alguma maneira metalinguístico porque inicia dizendo que em Fortaleza as pessoas não saem de casa para ver um espetáculo que tenha mais de duas horas e, deduz o dramaturgo ironicamente, estas mesmas pessoas não têm paciência para um relacionamento longo, mesmo que o recurso, por seu uso e abuso, poderia ter encharcado a encenação de lugares comuns sobre o que se convencionou chamar de pós-dramático, Rafael, por seu lirismo ácido, vai desossando (a figura do cadáver o pato ali é um achado) o seu personagem e a todos nós. 




É isso o que se vê em cena. Um ofício de açougueiro. O que teriam, então, os jovens dramaturgos a dizer que não fossem seus sentimentalismos, essa coisa de viado, questiona o texto. Por mais que a dramaturgia se fragmente, como cacos de vidro, Rafael os traz de volta, seja para repeti-los, apresentando-os em uma outra voltagem, seja para fechar um ciclo metafórico, indo do banal ao sublime. Exemplo disso é a piada sobre alguém que deseja explicar a um matuto quem tenha sido Beethoven. Terá de dizer que é o cão da sessão da tarde que toca piano.

O que poderia ser uma simples piada solta, essa do cão, é retomada num momento de grande crueldade - quando o casal (sim, embora pouco importe, a montagem é mais do que o texto, conta-se a história de um homem que se apaixona por um caçador de patos) esbofeteia-se e um deles exige que o outro lhe fale o nome: É Beethoven, grita e, ato contínuo, fazendo-se de cão, humilha-se para um dono que não lhe quer mais.

Edglê, sapateando e reverberando as ações do seu parceiro de cena, está à altura do que o papel lhe exige, sobretudo, a carga de ironia que o texto lhe pede. A cena em que, de costas para o seu interlocutor, vai sapateando a dor alheia, ao fazer pouco caso das perguntas que lhe são feitas, é uma das pedras de toque do espetáculo.

O espetáculo, do grupo Teatro em Película,  vai comprovando a ascensão de um novo nome na dramaturgia nordestina. 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012



FNT/ Guaramiranga

Ésquilo rasteja na lama do Baturité


(foto de Sol Coelho)

       É das artes plásticas que vêm o termo "site specific". O termo é aplicado quando uma obra é criada levando em consideração todas as significaçãoes do espaço e do ambiente. É um conceito chave para se entender a beleza do espetáculo As suplicantes, texto de Ésquilo, dirigido por Tiago Fortes e interpretado por seus alunos do curso de Teatro da Universidade Federal do Ceará, e grande destaque do terceiro dia da 19a edição do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga.

A apresentação aconteceu ao cair da tarde, em um camping. A plateia, diposta em cadeira em linha, de frente para a cena, teve, de início, uma bela visão de conjunto: havia dois lagos, um seguido do outro, no de trás, o elenco masculino e, no trecho entre os dois, as meninas seguiram adiante atravessando as águas até continuarem a cena no jardim, diante do público

Destaque-se a maneira como os alunos se apropriaram de um texto clássico. Disseram-no em toda inteireza de sua poesia, de seu poder de palavra. Em cena: Bruna Pessoa, Rafaele de Castro, Clara Monteiro, Fernanda Das Mädchen, Isabel Rodrigues, Renato Rodrigues, Wescly Psique, Aristides de Oliveira, Pedro Aragão, Paulo Ricardo, Paulo Vitor.

         O figurino, evocando elementos contemporâneos, como o terno sobre o corpo nu dos atores, e o vestido transparente das atrizes, evitando um encharcamento de referências históricas, potencializou mais ainda o poder do texto, elo límpido e direto com a antiguidade e permanência, que, distribuído de forma coral, foi apresentado de maneira muito segura, refiro-me ao fato da passagem da recitação em uníssono para o avanço das falas pontuadas, em momentos-chaves, por atuações individuais.

       Foi uma experiência poderosa ver Ésquilo rastejando na lama da Serra do Baturité. 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012


FNT/Guaramiranga

Eu, Marcelo, queria falar enquanto gente... 

Primeiro a pergunta: faz alguma diferença quando a arte que é apresentada se baseou em um fato real, em um episódio verídico?

Hoje, comentei sobre a hierarquização do factual sobre o fictício, no âmbito literário, ao comentar o solo do ator Fábio Vidal (que está em "Salmo 91", sobre quem escrevi a alguns posts), "Sebastião", baseado em um episódio real acontecido na cidade de Maracangalha, no interior da Bahia.

Depois, escreverei a respeito. Reporto um dos pontos que disse na minha intervenção: com o teatro, de certo sentido, esse problema, da validade ou não do ficcional diante de um fato, cai por terra no momento em que o ator sobe no palco e a gente, no tempo em que durar a peça, acreditaremos que ele é Hamlet.

Presumo ter incentiva uma pessoa que não era da área a falar pelo o fato de eu ter dito, a propósito do comentário dos debatedores sobre a validade estética do uso dos letreiros no final do espetáculo, que, pelo fato de já vir de um outro festival, com muitas apresentações, dei-me ao exercício de assistir aos espetáculos sabendo pouco ou quase nada deles e construindo as informações sobre a peça pela própria montagem em si.

Terminada as pontuações dos debatedores, inscrições na plateia - mesmo com o adiantado da hora, com o almoço quase sendo gongado pelos sinos do mosteiro  - depoimento me chamou a atenção.
"Eu queria falar enquanto gente..."
O nome dele é Marcelo. Contou que era cabeleireiro. "Meus amigos me convenceram a vir descansar aqui". Os amigos são do grupo Pavilhão da Magnólia.  Quis dar um depoimento despreendido de referências - que não as tinha - como expressão do que seria, tão somente, público, ou, na expressão dele, "gente".
Isso me fez lembrar de um post antigo da atriz Fernanda D'Umbra que reclamava da falta do que ela chamou, se a memória não me atraiçoa, de "público civil" - gente como o Marcelo, acredito eu.
Fiquei pensando se o público, de alguma maneira, não é resultado do teatro que escolhemos fazer?
Uma pergunta: para quem se faz teatro hoje em dia?

domingo, 9 de setembro de 2012

FNT/ Guaramiranga

Botando o boneco com lirismo


(crédito da foto: Sol Coelho)

Há um provérbio aqui no Ceará que diz: “botando boneco”.
Significa, em linhas gerais, “criar caso”, “fazer confusão”.

Se alguém está “botando boneco”, certamente, alguma dificuldade está causando.

Dificuldade desse tipo que falei certamente não, mas algum problema, ou desafio, o grupo Bricoleiros experimentou quando do processo, ainda em curso, de montagem do espetáculo Criaturas de Papel, peça que abriu a programação de ontem, da Mostra Nordeste, 19º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga.

É que eu tive a oportunidade de ver, em duas ocasiões, o espetáculo infantil do grupo, O Intrépido Anãmirin, também uma montagem com manipulação de bonecos.

Do teatro aberto para participação do público, com crianças aos berros e querendo subir no palco, para uma montagem lírica, delicada. 


FNT/ Guaramiranga

A sombra de um discurso que uniformiza o que não somos

Para quem não conhece o Festival Nordestino de Teatro (FNT) de Guaramiranga, no Ceará, na manhã seguinte às apresentações, dos espetáculos selecionados para a Mostra Nordeste, há sempre um debate ao qual, além do grupo que apresentou, que conversa sobre o seu processo criativo, há, convidados pela organização, debatedores, em geral, professores universitários, diretores, críticos, curadores.

Ouvindo a conversa hoje pela manhã, em que, sem que eu faça um exame detido do que houve lá em termos de debate, mas transcendendo o elemento factual, me vi a pensar que, de certa forma, há meio que uma exigência ética que padroniza o discurso de quem faz teatro: tudo é colaborativo.

Mas, descascando o verniz uniformizante, que dá legitimidade a uma prática, a do teatro de grupo, no que seria uma velada oposição a um teatro, digamos, construído a partir de espetáculos, e não resultado de uma pesquisa, é possível perceber que, na prática, a realidade é bem outra.

Outro dia comentei com amigos: somos um povo imperial – além de esperarmos por Dom Sebastião, resoluções fáceis e instantâneas para problemas e questões complexas – reproduzimos, em menor escala, o papel da cerimônia do beija-mão; ocasião em que nos colocamos na fila (o funcionário de uma empresa que comenta com um colega uma futilidade envolvendo um chefe, só para exibir que o rei lhe pronunciou o nome) ou estamos no final dela, recebendo, reverente, os cumprimentos.

É algo sobre o qual me debruçarei depois. É um assunto que rende muita discussão.

O que quero dizer é que, maquiado ou encabestrado pelas circunstancias contextuais da época, de alguma maneira, continuamos a reproduzir, o sistema que sempre vigorou no teatro brasileiro: o da companhia que tinha um dono, misto de empresário e ensaiador, e de um primeiro ator ou primeira atriz, esta, muitas vezes, casada com o patrão.

Não temos mais hoje em dia práticas  como nos tempos de Procópio, sob cuja memória paira a lenda de que riscava um círculo de giz no palco, demarcando a área a qual os demais não deveriam se aproximar.

No entanto, mesmo companhias regulares, grupos de pesquisa, possuem, sim, os seus primeiros atores ou atrizes – em geral, curiosamente, namorados ou namoradas dos diretores – que, simplesmente, traçam um círculo de giz imaginário que os impede, por exemplo, de não ter o principal papel numa montagem.

Por falar em casais, dentre os principais grupos de teatro no Brasil, qual é o que você conhece em que há o casamento do diretor com a primeira atriz?

Ainda há muito o que falar sobre a partir do tema.
Retomarei-o. 



sábado, 8 de setembro de 2012


FILTE/SALVADOR
Rosário

(Felícia de Castro, em cena com o solo Rosário)

deuses caíram dos céus
e ocuparam tua fala,

uns alongando o que miras,
- não foi preciso palavras -
o olhar transformado em barro
animou céus e diásporas

e criamos, e fizemos
intervenções ao que falta

fui eu quem juntei as cenas
e recuperei as páginas
o palco, feito em teu corpo,
dançou pedaços de fábula

e na igreja da Barroquinha,
deuses subiram em tua saia

a invasão, cataclismo,
couberam por onde andavas
e houve instante, parecia,
que era por sobre as águas

deuses couberam nas dobras
da flor que houve em tua lábia

sexta-feira, 7 de setembro de 2012


FILTE/ SALVADOR

Um espetáculo que pode ser mais do que 
um apanhado de monólogos

                
Dib Carneiro foi ao ponto. Quando retrabalhou, para o teatro, Estação Carandiru,  de Drauzio Varela, escolheu como título para sua peça, Salmo 91. Tomando o que aconteceu ali, naquele, literalmente, lugar de condenados, podemos ampliar a metáfora, para uma dimensão maior, ampliar a questão para além das celas, e estender o olhar para o mundo. Neste sentido, ao eleger o nome de seu texto, o dramaturgo chama a atenção, de modo contundente, não para o que escapa ileso do massacre: “Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti”.

É, justamente, aos que tombam, aos que caem, os que estão alheios da proteção de Deus, no Salmo, e, na amplitude da metáfora, os que foram abatidos pela invasão da polícia, sobre quem somos instados a dirigir nosso olhar. Deslocando o sentido espacial e histórico do texto, indo além de sua circunstância localizada, um grupo da Bahia, a Ateliê Voador Companhia de Teatro, montou esse texto que já fora levado ao palco em São Paulo com direção de Gabriel Vilela.

São dez personagens interpretados por 5 atores. Quem faz a abertura é Fábio Vidal, interpretando Dadá, o detento cuja mãe pedia que o filho lesse o Salmo 91.  Ao contrário do que acontece com o seu segundo personagem, o Véio Valdo, em que desde a voz, até o gestual, muito à beira do clichê, mas defendido com grandeza, Fábio não encontrou o tom da interpretação, num registro quase animalesco, com uma fungada excessiva, quase bestial. Ocorre que o equívoco não é só do ator.

É possível fazer as mais diversas leituras do elemento bíblico. A escolhida pela direção de Djalma Thürler não nos parece plausível. Há, de cara, dois símbolos extremamente fortes. Em seu figurino, Dadá usa uma camiseta do Super Homem, e no peito, ostenta um crucifixo. Não importa aqui uma reverência ao texto, nem de Dib, nem de Drauzio, estamos diante de uma outra obra, que é uma adaptação. Porém, se é o Salmo, se é a palavra, quem fundamenta o preceito de que o filho será salvo, a impressão que nos fica é a de que a mãe é alguém que professa a fé evangélica, calcada na palavra, não muito afeita a símbolos, todavia; ao contrário, trata-se de uma doutrina iconoclasta, avessa ao culto a imagens.

E, ainda citando a Bíblia, se a fé remove montanhas, fazendo com que, quem crê se valha dos poderes do altíssimo, impossível não sentir uma certa microfonia, uma certa inadequação no figurino em que dois ícones, de grande alcance e significado, entram em rota de colisão, sem qualquer acréscimo à construção de um personagem cujo registro de interpretação não está bom.

Com um acerto na composição do cenário, em que pequenas gaiolas de pássaros metaforizando a condição dos presos, é na atuação do elenco que reside a força e a fraqueza de Salmo 91; é no talento individual dos atores que se encontra o mais precioso do espetáculo. Porém,  falta à direção aparecer, justamente, quando lhe é devido. A montagem é muito longa. São mais de duas horas de espetáculo.

O grande momento do espetáculo se dá com o veterano Lúcio Tranchesi, indo do juiz Bolacha, defendido com contornos e tintas que nos apresentaram o personagem no complexo que é a justiça feita pelos abandonados pela lei, ao travesti Veronique, em atuação apoteótica.  

Quando, um simples exemplo, usa-se dois atores para estirarem um varal quando Rafael Medrado interpreta o Zé da Casa Verde, um homem dividido entre o amor de duas mulheres, suas duas esposas,  - aliás, aqui ele está melhor do que fazendo o Nego Preto, com um gestual muito marcado, uma composição sem força - a encenação, só por este simples movimento, dá um salto; é que há pouca energia nas microações que poderiam pontuar o cenário de fundo em que o foco se desenvolvesse nos solos.

Para completar o comentário sobre as atuações, à exceção do já citado Tranchesi e do jovem Lucas Lacerda, excelente como Zizi Marli e correto como o enfermeiro Edelso, os demais atores não conseguiram manter o mesmo nível de interpretação nos papéis que dobram. Duda Woyda está melhor como o lascivo Charuto do que como o caricato evangélico Valente.

Falta ao Salmo 91 uma presença maior da direção de Djalma Thürler, para que a montagem se torne mais do que um apanhado de bons monólogos e outros nem tanto e que da plateia fiquemos a clamar por economia e desapego.
               







quinta-feira, 6 de setembro de 2012


FILTE/SALVADOR

correndo o risco de usar clichês



 O espetáculo Entre nós - uma comédia sobre diversidade corre, de cara, dois grandes riscos. O primeiro deles, diz respeito à forma. Questionar a estrutura do próprio teatro, em cena, tem sido um dos clichês mais repetidos de uma cena que se quer contemporânea, pós dramática, etc. O segundo deles, é relativo ao tema: a homoafetividade, sobretudo, por pressupor um posicionamento e uma defesa que, como qualquer assunto que se requeira uma tomada de posição, arrisca-se a cair nopanfletário, no didático, em suma, no chato.

 A apresentação da montagem, cuja direção, texto, iluminação e figurino é de João Sanches, aconteceu no primeiro dia do Filte (Festival Latino Americano de Teatro), de Salvador, no dia 1 de setembro, em um teatro pequeno e aconchegante, o Gamboa Nova.

 Quem abre o espetáculo é o guitarrista Léo Bittencourt que executa a trilha sonora ao vivo. Os dois atores,  Anderson Dy Souza e Igor Epifânio, tiram proveito da fragilidade e dos riscos assumidos pela montagem. Texto e encenação, mutuamente, se auxiliam quando os indicativos de que o tom adotado pareça subir além do desejável.

 A história é contada de modo metalinguístico. Temos no palco o Ator 1 e o Ator 2 que, respectivamente, dão a ilusão de criar, na hora, os personagens que intepretarão, Rodrigo, que, mesmo virgem, sem nunca ter beijado outro menino, se descobre gay e Fabinho, novo na escola, que já tem namorado. A eles, os atores, cumpre a tarefa de construir, como se fosse de improviso, tensionando as opções, exponho-lhe os problemas e riscos, uma história de amor entre dois rapazes, a pretexto de se falar sobre diversidade sexual. Literalmente, a passagem do narrado para o dramatizado, que pontua a estrutura do espetáculo, se intensifica com a manipulação, pelos atores, da mesa de luz, que está no palco. 

 O jogo dos atores, sempre em conflito, o que faz a peça correr num ritmo muito medido, é repleto de conflitos e de decisões que precisam ser pensadas, tanto do ponto de vista dramatúrgico, como de encenação, esse entrar e sair de cena, que tinha tudo para derrapar no lugar comum, foi imprescindível na abordagem dos clichês sobre o homessexualismo e, acima de tudo, fazer com que o espetáculo divirta sem ser concessivo, sem reproduzir estereótipos, nem fazer humor rebaixado.

 Se me fosse pedido para citar uma cena em que se pudesse sintetizar todo Entre Nós, escolheria a da mãe super-protetora de Fabinho. Antes, convém dizer que os seus pais já são conscientes da sexualidade do filho e o apoiam. Quando Rodrigo o visita, após ele ter apanhado na escola, vítima de homofobia, a mãe o recebe e, ponto luminoso, vemos que, no fundo, o grande medo dos pais é o de que seus filhos não sejam felizes.

 A mãe de Rodrigo, por que uma menina vai visitar seu filho, comenta, temerosa, com o pai do menino, receando que o moço possa ter uma recaída hétero. "Eu não quero outra mulher aqui", ela diz. A fala, cômica, da mãe, revela, em negativo, os receios comuns da maioria das mães: a de não ter controle sobre os filhos, só que Entre nós mostrou isso sob uma outra perspectiva.

 Despretensioso, divertido, "Entre nós" cumpre aquilo a que se propõe, de alguma maneira, podemos falar que estamos diante de um espetáculo educativo, sem ser didático, e, o melhor de tudo, sem se levar a sério, nem ser panfletário. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012


Vou imitar as pessoas que, no esforço de livrarem-se de um vício, zeram a conta dia após dia.
Eu tenho um vício. Criar blogs.
Escolher nome, formato. Gosto muito. 
Ocorre que o prazer, de criá-lo, é igual ao de abandoná-lo.
Tendo em vista que acabei de vir do Festival Latino Americano de Teatro de Salvador, o FILTE, onde vi 15 espetáculos em 4 dias, muitos dos quais, produções baianas e que, esta semana, irei, mais uma vez, cobrir o FNT, de Guaramiranga, e pelo fato notório e conhecido de que o jornal, por mais generoso que seja, como é caso do Correio da Paraíba em que eu trabalho, há sempre limitações.