sexta-feira, 5 de abril de 2013

FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA #2013

entre a cena e a vida

Ficar entre o que o espetáculo propõe ou mensurar, a partir do que o texto dito em cena sugira, possibilidades do que poderiam ter sido feitas?

Eis o dilema. Havido apenas em montagens cuja dramaturgia palpite e nas quais a encenação tenha  algo a dizer. É o que acontece com Circo Negro, montagem daqui de Curitiba, de um texto do dramaturgo argentino Daniel Veronese, apresentado ontem no teatro HSBC, na programação do Fringe.

Embora não conheça a escritura do texto de Veronese, infiro, pelo que a cena de me traz, que o jogo de representação, chave que estrutura a sequência de ações, desdobrado tanto para a perspectiva da construção teatral como na prática cotidiana, estabelece uma tensão entre o dentro da cena e o fora dela. Melhor: entre vida e arte, numa fórmula mais simples.

As partituras elementares, trabalhadas fisicamente, nas matrizes gestuais dão o tom do que virá a ser a base comum a partir da qual a encenação se desdobrará: buscará o essencial que cada gesto traz . A cena de abertura, sem fala, com marcações de gestos em tom de caricatura, como o virar de cabeça, sem o uso de palavras,   é toda construída como uma espécie de prólogo, de síntese da poética que será posta em cena.

Creio que o gesto, trazido no que ele tem de símbolo, tanto serve de possibilidade para a encenação revirar os códigos teatrais numa pegada mais metalinguística - opção escolhida e evidenciada pela direção de Sueli Araújo - como poderia se desdobrar naquilo em que o gestual, como construção de máscara cotidiana, suscite caso o jogo escolhido fosse uma relação de conflito entre o que está no palco, e o que fica fora dele - algo que não foi escolhido, mas prenunciado em alguns momentos.

A brincadeira de imaginar possibilidades dramatúrgicas da cena, cito de exemplo o jogo dos atores imaginando situações como "pentear o cabelo em frente ao espelho", acionada pelo "já", deixou clara a opção para o discurso dentro da cena.

Mas é possível eliminar o cotidiano e a vida, num visada mais metalinguística? Em geral, a resposta é sim. Porém, há, claro, vida, sangue e ossos, num olhar do teatro sobre o teatro, até porque quem pisa no palco são seres humanos, com história e sangue. Aqui, uma pequena digressão. Lembro-me de uma discussão sobre  validade da literatura de Jorge Luís Borges, construída nas referências de leitura e da alta cultura, em contraposição a, por exemplo, alguém como Hemingway, cujo trabalho eviscera a aventura do viver. Fecha-se a pequena digressão. 

Porém, reitero, há humanidade dentro do jogo de espelhos do metateatro. Se pensarmos no 'circo', trazido não gratuitamente no título,  naquela linha aristotélica da poética, na sua perspectiva moral, da representação teatral como algo a ser evitado na práxis e purgado na catarse para não ser realizado na vida, assim, a crueldade da caricatura, posta no picadeiro como o lugar do risível, ganhou dimensões avassaladoras no número em que, humilhados, os atores viram de costas para a plateia, nus, com um alvo colado nos traseiros.