segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A geração 2.0 do Ser Tão Teatro


(Isadora Feitosa e Thardelly Lima, únicos remanescentes do elenco da primeira montagem)

Escrevi, quando da apresentação em João Pessoa de A Flor de Macambira, adaptação da peça de Joaquim Cardozo, que com aquele espetáculo  o grupo Ser Tão Teatro alcançava sua maioridade.
               
Agora, quando a companhia retoma A Farsa da Boa Preguiça, de Ariano Suassuna, levava às ruas com atores do grupo Clowns de Shakespeare, e direção compartilhada de Christina Streva e Fernando Yamamoto, é possível dizer que o Ser Tão dá um passo à frente.

Dos 9 personagens, apenas 2 atores foram mantidos da primeira montagem, Thardelly Lima e Isadora Feitosa. E visível, porém, o quanto os dois evoluíram.

Agora, além de exercitar uma generosidade para com os demais colegas de cena, entendendo bem melhor as pausas, para que os outros atores também brilhem, Thardelly, que vem se consolidando como um dos grandes atores cômicos da Paraíba, soube encontrar o tom do seu personagem, Joaquim Simão.

É que, dois anos atrás, quando estreou, havia pouco tempo Thardelly interpretara um personagem muito parecido, outro poeta, o Ferreirinha, de uma outra Farsa, a do Poder, escrita por Racine Santos, e, por esta razão, meio que não houve muita mudança na construção do seu personagem àquele momento.

Agora, após ter atuado, brilhantemente, se desdobrando em vários personagens em  Flor, encontrando para cada um deles,  timbre, postura, e vida, Thardelly redesenha o seu Joaquim Simão e exerce, junto com Isadora, o papel de quem passa o bastão pro elenco novo.

Elenco novo, nem tanto. Dos 7 que entraram, praticamente, todos já estavam orbitando em torno deste verdadeiro acontecimento que tem sido o Ser Tão Teatro na cena paraibana nos últimos 5 anos.

Zé Guilherme, que está mais à vontade da segunda metade do espetáculo, mais livre das rubricas e construção de Marco França, que interpretava o personagem na versão anterior, já era do elenco de Flor.

É o mesmo caso de Winsthon Aquilles, integrante do casting do espetáculo passado, no papel do Arcanjo Miguel, o mais livre a criar pequenas partituras, trazer novos adereços, o que deu um bom sopro de renovação. 

Pollyanna Barros fazendo a Nevinha, embora esteja no ritmo dos seus colegas, aposta na fragilidade e na ingenuidade para construir a esposa do poeta Simão, a meu ver, porém, falta à personagem um senso mais pragmático – algo como o que Sancho Pancha representa no universo de delírio e sonho de Dom Quixote. Melhor dizendo: Nevinha é a parte feijão, enquanto que Simão é a parte sonho;  a personagem ganharia mais se mantivesse, sim, o que tem de ingênuo, o que possui de inocente, já demonstrados por Pollyanna, se levasse em conta que está interpretando uma mulher com um monte de filhos pra criar e que é responsável por dar de comer a eles, sendo ela casada com um poeta que não é muito afeito ao trabalho.

Anna Raquel Apolinário, no papel de Andressa, e da Cã Cachorra, está muito à vontade, quase totalmente assenhorada de seu personagem, não plenamente ainda porque em alguns momentos, são bem poucos é verdade, se valha de referências da atriz que fez o mesmo papel antes, o que não lhe favorece em nada.

Com Rafael Guedes ocorre o mesmo que se dá com o elenco novo: entrou no ritmo, assimilou a energia da cena. É possível dizer a ele o mesmo que escrevi sobre Pollyana, a de que falta ao seu São Pedro, o mesmo senso terra-a-terra, pragmático – não é à toa que este santo protege Joaquim Simão e família, porque é, justamente, o correlato divino dos dois lados da contenta, dos pobres, com os ricos. Na Bíblia, São Pedro é evocado como alguém com dificuldades de crer, Jesus o admoestou chamando-o de “homem de pouca fé”, quando Pedro não teve crença suficiente para andar sobre as águas como Jesus. Além do fato de ser pescador, não ser letrado como São Paulo, enfim, ser um santo do povo, inculto, às vezes meio rude, mas o escolhido por Deus para guardar as portas do céu e sobre quem se edificou sua Igreja – de alguma maneira, estas informações, estas referências, assimiladas, em alguns detalhes na composição do personagem, lhe dariam mais força.

Gladson Galego, a quem acompanho desde os tempos de oficina, antes da formação do grupo, e posso atestar seu visível crescimento artístico, que já havia apresentado um bom desempenho em Flor, agora volta ao palco, no palco de Deus, espécie de narrador e símbolo de uma dramaturgia, podemos dizer, fechada, clássica, como a de Suassuna é, muito à vontade e com um ótimo desempenho vocal, qualidade técnica que o ator deixava a desejar.

Por fim, Isadora Feitosa. Que ela foi o grande acontecimento de Flor, isso fico notório. Escrevi à época, lembro bem, que lhe faltava uma maior intimidade, no momento em que a encenação pedia que ela interagisse com o público, estabelecesse uma triangulação. Agora, quando os atores entraram em cena, Isadora usou a favor de si o que tem de mais poderoso: o seu olhar e soube, com charme e carisma, cativar o público.

Termino apontando a boa escalação de Herlon Rocha, que soube encaixar-se numa produção cuja direção musical tinha uma presença muito marcante, e boa, e encontrou o seu lugar, discretamente.

Sobre a Farsa da Boa Preguiça, como um todo, o que posso dizer é que o espetáculo chega bem. Ainda um pouco preso às atuações dos atores antigos, o que, sem fazer qualquer concessão, é compreensível, mas já apontado para o que será, com esse novo elenco, o Ser Tão 2.0. 

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