sexta-feira, 7 de setembro de 2012


FILTE/ SALVADOR

Um espetáculo que pode ser mais do que 
um apanhado de monólogos

                
Dib Carneiro foi ao ponto. Quando retrabalhou, para o teatro, Estação Carandiru,  de Drauzio Varela, escolheu como título para sua peça, Salmo 91. Tomando o que aconteceu ali, naquele, literalmente, lugar de condenados, podemos ampliar a metáfora, para uma dimensão maior, ampliar a questão para além das celas, e estender o olhar para o mundo. Neste sentido, ao eleger o nome de seu texto, o dramaturgo chama a atenção, de modo contundente, não para o que escapa ileso do massacre: “Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti”.

É, justamente, aos que tombam, aos que caem, os que estão alheios da proteção de Deus, no Salmo, e, na amplitude da metáfora, os que foram abatidos pela invasão da polícia, sobre quem somos instados a dirigir nosso olhar. Deslocando o sentido espacial e histórico do texto, indo além de sua circunstância localizada, um grupo da Bahia, a Ateliê Voador Companhia de Teatro, montou esse texto que já fora levado ao palco em São Paulo com direção de Gabriel Vilela.

São dez personagens interpretados por 5 atores. Quem faz a abertura é Fábio Vidal, interpretando Dadá, o detento cuja mãe pedia que o filho lesse o Salmo 91.  Ao contrário do que acontece com o seu segundo personagem, o Véio Valdo, em que desde a voz, até o gestual, muito à beira do clichê, mas defendido com grandeza, Fábio não encontrou o tom da interpretação, num registro quase animalesco, com uma fungada excessiva, quase bestial. Ocorre que o equívoco não é só do ator.

É possível fazer as mais diversas leituras do elemento bíblico. A escolhida pela direção de Djalma Thürler não nos parece plausível. Há, de cara, dois símbolos extremamente fortes. Em seu figurino, Dadá usa uma camiseta do Super Homem, e no peito, ostenta um crucifixo. Não importa aqui uma reverência ao texto, nem de Dib, nem de Drauzio, estamos diante de uma outra obra, que é uma adaptação. Porém, se é o Salmo, se é a palavra, quem fundamenta o preceito de que o filho será salvo, a impressão que nos fica é a de que a mãe é alguém que professa a fé evangélica, calcada na palavra, não muito afeita a símbolos, todavia; ao contrário, trata-se de uma doutrina iconoclasta, avessa ao culto a imagens.

E, ainda citando a Bíblia, se a fé remove montanhas, fazendo com que, quem crê se valha dos poderes do altíssimo, impossível não sentir uma certa microfonia, uma certa inadequação no figurino em que dois ícones, de grande alcance e significado, entram em rota de colisão, sem qualquer acréscimo à construção de um personagem cujo registro de interpretação não está bom.

Com um acerto na composição do cenário, em que pequenas gaiolas de pássaros metaforizando a condição dos presos, é na atuação do elenco que reside a força e a fraqueza de Salmo 91; é no talento individual dos atores que se encontra o mais precioso do espetáculo. Porém,  falta à direção aparecer, justamente, quando lhe é devido. A montagem é muito longa. São mais de duas horas de espetáculo.

O grande momento do espetáculo se dá com o veterano Lúcio Tranchesi, indo do juiz Bolacha, defendido com contornos e tintas que nos apresentaram o personagem no complexo que é a justiça feita pelos abandonados pela lei, ao travesti Veronique, em atuação apoteótica.  

Quando, um simples exemplo, usa-se dois atores para estirarem um varal quando Rafael Medrado interpreta o Zé da Casa Verde, um homem dividido entre o amor de duas mulheres, suas duas esposas,  - aliás, aqui ele está melhor do que fazendo o Nego Preto, com um gestual muito marcado, uma composição sem força - a encenação, só por este simples movimento, dá um salto; é que há pouca energia nas microações que poderiam pontuar o cenário de fundo em que o foco se desenvolvesse nos solos.

Para completar o comentário sobre as atuações, à exceção do já citado Tranchesi e do jovem Lucas Lacerda, excelente como Zizi Marli e correto como o enfermeiro Edelso, os demais atores não conseguiram manter o mesmo nível de interpretação nos papéis que dobram. Duda Woyda está melhor como o lascivo Charuto do que como o caricato evangélico Valente.

Falta ao Salmo 91 uma presença maior da direção de Djalma Thürler, para que a montagem se torne mais do que um apanhado de bons monólogos e outros nem tanto e que da plateia fiquemos a clamar por economia e desapego.
               







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