FNT/ Guaramiranga
A sombra de um
discurso que uniformiza o que não somos
Para quem não conhece o Festival Nordestino de Teatro (FNT)
de Guaramiranga, no Ceará, na manhã seguinte às apresentações, dos espetáculos
selecionados para a Mostra Nordeste, há sempre um debate ao qual, além do grupo
que apresentou, que conversa sobre o seu processo criativo, há, convidados pela
organização, debatedores, em geral, professores universitários, diretores,
críticos, curadores.
Ouvindo a conversa hoje pela manhã, em que, sem que eu faça
um exame detido do que houve lá em termos de debate, mas transcendendo o
elemento factual, me vi a pensar que, de certa forma, há meio que uma exigência
ética que padroniza o discurso de quem faz teatro: tudo é colaborativo.
Mas, descascando o verniz uniformizante, que dá legitimidade
a uma prática, a do teatro de grupo, no que seria uma velada oposição a um
teatro, digamos, construído a partir de espetáculos, e não resultado de uma
pesquisa, é possível perceber que, na prática, a realidade é bem outra.
Outro dia comentei com amigos: somos um povo imperial – além
de esperarmos por Dom Sebastião, resoluções fáceis e instantâneas para
problemas e questões complexas – reproduzimos, em menor escala, o papel da
cerimônia do beija-mão; ocasião em que nos colocamos na fila (o funcionário de
uma empresa que comenta com um colega uma futilidade envolvendo um chefe, só
para exibir que o rei lhe pronunciou o nome) ou estamos no final dela,
recebendo, reverente, os cumprimentos.
É algo sobre o qual me debruçarei depois. É um assunto que
rende muita discussão.
O que quero dizer é que, maquiado ou encabestrado pelas
circunstancias contextuais da época, de alguma maneira, continuamos a
reproduzir, o sistema que sempre vigorou no teatro brasileiro: o da companhia
que tinha um dono, misto de empresário e ensaiador, e de um primeiro ator ou
primeira atriz, esta, muitas vezes, casada com o patrão.
Não temos mais hoje em dia práticas como nos tempos de Procópio, sob cuja memória
paira a lenda de que riscava um círculo de giz no palco, demarcando a área a
qual os demais não deveriam se aproximar.
No entanto, mesmo companhias regulares, grupos de pesquisa,
possuem, sim, os seus primeiros atores ou atrizes – em geral, curiosamente, namorados
ou namoradas dos diretores – que, simplesmente, traçam um círculo de giz
imaginário que os impede, por exemplo, de não ter o principal papel numa
montagem.
Por falar em casais, dentre os principais grupos de teatro
no Brasil, qual é o que você conhece em que há o casamento do diretor com a
primeira atriz?
Ainda há muito o que falar sobre a partir do tema.
Retomarei-o.
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