segunda-feira, 9 de setembro de 2013

NELSON RODRIGUES, DE RICARDO GUILHERME


Ricardo Guilherme é um homem da literatura e do teatro. Um artista criador nestas duas expressões. Ambos compartilham do ofício duplo da escrita: tanto escreveram ficção como teatro. Ao prestar tributo a outro artista, que fincou seu marco nestas duas áreas, Ricardo Guilherme conseguiu, como só alguém que conhece bem os códigos e chaves destes dois universos, estabelecer um diálogo em que corpo e texto se conjugaram na tentativa de colocar em cena um conceito: a repetição dos temas do amor, em todos os seus abismos.

O espetáculo "Flor de Obsessão", com assinatura do Grupo de Pesquisa, teve direção, adaptação e atuação de Ricardo Guilherme. Foi apresentado no primeiro dia do evento, sábado, no teatrinho Rachel de Queiroz, inserido na programação da Mostra Ceará.

O figurino todo em preto, uma calça, camiseta; Ricardo entrou descalço. Em cena, o palco nu, com um adereço apenas em que sentou-se. A maquiagem ressaltou a busca de um poética mais essencial: maquiagem, lápis preto, realçando o contorno dos olhos e a boca pintada em vermelho - aqui estabeleceu-se a base para uma série de partituras corporais e vocais. Ricardo, mãos esticando o rosto, esbugalhando os olhos, iniciou a espécie de epílogo, com um registro vocal que lembrava o tom bovino e caricatural do próprio Nelson. O texto, uma avaliação do dramaturgo sobre o seu próprio trabalho, dialogou diretamente com essa proposta chave: partir de Nelson, refazer seus traços no próprio corpo do ator, assumindo suas obsessões como material a ser trabalhado cenicamente.

Esta é a grande chave poética da encenação: apropriar-se. Ricardo Guilherme não se prendeu a fazer uma narração, escudado no seu talento e na sua expressividade como ator. O que se buscou foi um diálogo criativo. E o ponto base foi a concepção de máscaras, que do rosto partiam para registros corpóreos, intensificados com uma palheta de timbres vocais que davam conta da orquestração polifônica dos mais diversos tipos recorrentes da escritura dramática de Nelson Rodrigues.

Obsessão entendido aqui não como mais do mesmo, mas como possibilidades de multiplicação de sentidos pela reiteração. É disto que Nelson Rodrigues fala ao refletir sobre seu ofício - não por à toa, texto inicial do espetáculo e, suprema ironia conceitual, retomado no fim da montagem, num gesto de repetição em que o contexto atualiza o sentido das palavras, ainda que ditas do mesmo modo, sem alteração; e é disto também que fala Ricardo Guilherme que, esculpindo-se em partituras, distribuídas em um preciso desenho de cena, oferta ao público, ele também, uma flor, pétala por pétala, a desvelar os avessos de uma obra que lida com o amor, pergunta que continua a ser feita e a demandar novas e diferentes respostas


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